Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Gender Differences in Job Search: Trading Off Commute Against Wage
Autores: Thomas Le Barbanchon, Roland Rathelot e Alexandra Roulet
Localização da Intervenção: França, Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 300.000 trabalhadores
Setor: Mercado de trabalho
Variável de Interesse Principal: Salário, Distância do deslocamento para o trabalho
Tipo de Intervenção: Diferença entre homens e mulheres
Metodologia: OLS, IPW e Logit
Resumo
A diferença salarial entre os sexos é comumente associada à “penalização da maternidade”. No entanto, diversos outros fatores relacionados às preferências individuais têm o potencial de explicar parcela dessa diferença. O objetivo deste artigo foi identificar o quanto as diferenças entre os sexos na disposição de deslocamento para o trabalho explica a diferença salarial entre homens e mulheres. Adotando diversas estratégias empíricas, os autores demonstraram que mulheres optam por trabalhos com menor deslocamento para o trabalho, independente da composição familiar, idade ou localização. Esse resultado é induzido pelos próprios trabalhadores e explica parcela considerável da diferença salarial entre os sexos.
Os estudos relacionados a diferença salarial entre homens e mulheres têm procurado identificar os possíveis canais que explicam tal fenômeno. Enquanto alguns estudos se debruçam sobre aspectos relacionados à heterogeneidade nas preferências entre os sexos, como a flexibilidade de tempo proporcionada pelo trabalho (Mas e Pallais, 2017), outros avaliam como a maternidade impacta o salário das mulheres e as suas carreiras (Adda, Dustmann e Stevens, 2017).
Nesse sentido, outros aspectos podem estar associados a essa diferença, especificamente referentes às preferências. Portanto, a diferenças na disposição para o deslocamento no trabalho pode estar associada a heterogeneidade nas preferências entre homens e mulheres. Contudo, a identificação do deslocamento médio no mercado de trabalho é difícil porque conjuntos de dados padrão não medem todos os atributos relevantes do emprego e a produtividade dos trabalhadores, o que pode confundir o efeito salarial do atributo de interesse.
Embora as diferenças entre os sexos no deslocamento tenham diminuído ao longo do tempo de maneira semelhante às diferenças salariais entre homens e mulheres, ainda existem grandes diferenças entre os sexos mesmo quando ajustadas para a experiência, ocupação, setor e status de meio período dos trabalhadores. Nos países da OCDE, as mulheres gastam em média 22 minutos por dia em deslocamento, enquanto os homens gastam 33 minutos. Na França, após controlar as características observáveis dos trabalhadores, a diferença entre o deslocamento no trabalho das mulheres e dos homens ainda chega a -10% a -15%.
Tendo em vista a flagrante diferença de comportamento entre os indivíduos, o artigo verificou como a diferença na disposição de viajar para o trabalho entre homens e mulheres pode estar relacionada a sua diferença salarial.
O artigo utilizou os dados de registro trabalhista francês dos desmpregados, onde os candidatos a emprego franceses devem declarar ao Serviço Público de Emprego (PES). Ao se registrar como desempregados, as pessoas são questionadas sobre o tipo de emprego que estão buscando, seu salário de reserva e o deslocamento máximo aceitável. A ocupação preferida pode ser diferente da ocupação anterior. Em resposta à pergunta sobre o salário de reserva: "Qual é o salário bruto mínimo que você aceita para trabalhar?", o trabalhador define um valor e escolhe uma unidade de referência (por hora, mensal ou anual). Em seguida, as pessoas são questionadas sobre o deslocamento máximo aceitável ou deslocamento de reserva: "Qual é o comprimento do deslocamento diário (em uma direção) que você aceitaria?" Os candidatos a emprego podem responder em minutos ou em quilômetros. Eles não podem prosseguir para a próxima página do site de registro sem fornecer essas informações. Antes de responderem às perguntas sobre a ocupação desejada, salário de reserva e deslocamento máximo, os candidatos declaram se estão dispostos a aceitar um contrato temporário ou um emprego de meio período.
Todas essas informações permitem que os funcionários do serviço público de emprego selecionem as vagas que serão propostas aos candidatos a emprego. Os trabalhadores possuem um incentivo para declararem as suas preferências com sinceridade na medida em que suas declarações são relevantes para os serviços de busca de emprego fornecidos pelo PES (Le Barbanchon, Rathelot e Roulet, 2020). Tendo em vista o custo para a procura por vagas que o trabalhador enfrenta, a teoria econômica sugere que a melhor resposta do candidato a emprego ao PES seja expor corretamente o menor salário que estaria disposto a aceitar (salário de reserva) e as outras condições de pertinentes para o seu aceite. Tais dados permitem combinar as vantagens em termos de incentivos dos experimentos de campo (Mas e Pallais, 2017) com a grande amostra e validade externa dos dados administrativos.
A amostra utilizada foi construída apartir das informações sobre os registros de desemprego provenientes da fichier historique (FH) do serviço público de emprego francês (Pôle Emploi), enquanto os dados sobre períodos de emprego foram obtidos a partir das Déclarations Aadministratives de Données Sociales (DADS), do Instituto Francês de Estatística (Insee). A amostra inclui beneficiários do seguro-desemprego cujo período de desemprego se inicia entre 2006 e 2012. A amostra foi restringida para pessoas que se tornaram desempregadas involuntariamente, tanto para contratos permanente como temporários/por prazo determinado. O período de análise compreende o histórico de emprego de 2004 a 2012, observando o período anterior e posterior ao desemprego. A amostra principal compreendeu cerca de 320.000 observações de períodos sob desemprego.
A primeira análise do estudo apresentou dois conjuntos de regressões. O primeiro conjunto apresenta os regressões referentes ao salário e à deslocamento para trabalho de reserva, controlando para as características do trabalhador e suas preferências. O segundo conjunto apresenta regressões referentes ao salário e à distância para o trabalho no trabalho posterior ao desemprego.
A segunda análise do artigo verificou possíveis fatores que provoquem heterogeneidade nas diferenças entre homens e mulheres. Primeiro, verificou-se como a estrutura familiar incorre em heterogeneidade nas preferências relacionadas às variáveis de interesse, dividindo os trabalhadores em solteiros sem filhos, casados sem filhos, solteiros com filhos, e casado com filhos. Segundo, observou-se como a idade dos trabalhadores afeta a diferença entre os sexos. Por fim, verificou-se a heterogeneidade entre a região de Paris e as demais regiões da França, levando em consideração as diferenças na proporção de utilização do transporte público para o trabalho entre as regiões (43% em Paris e 7% no resto do país).
A terceira análise presente no artigo realizou as mesmas regressões para as variáveis de interesse de salário e deslocamento para o trabalho de reserva utilizando dados dos trabalhadores dos Estados Unidos a partir da amostra da pesquisa de Krueger e Mueller (2016).
A quarta análise conduziu um modelo de ponderação de probabilidade inversa (IPW) para identificar a relação de elasticidade entre o deslocamento para o trabalho e o salário de reserva. A quinta análise utiliza os resultados da análise anterior como uma ferramenta de como homens e mulheres valorizam o deslocamento para o trabalho, utilizando a diferença dessa valorização como um “choque” e verificando o quanto as diferenças de salário e deslocamento para o trabalho são explicadas por essa diferença de valorização. Ambas as análises foram separadas por sexo e estrutura familiar
Por fim, o artigo apresenta dois exercícios de robustez. O primeiro exercício aplica um modelo de logit condicional para estudar o efeito da distância de deslocamento entre o local de trabalho da vaga e a residência do trabalhador na probabilidade de o trabalhador se candidatar a vagas de emprego. O segundo exercício verifica se a diferença entre os sexos na distância de deslocamento para o trabalho é explicada por algum viés dos empregadores na contratação.
Os resultados das primeiras análises sugerem que mulheres desempregadas possuem um salário de reserva para trabalhos em tempo integral 4% menor em relação aos homens. Adicionalmente, a diferença entre os sexos na distância máxima aceitável para o deslocamento é de 14%. Observando os efeitos de acordo com a composição familiar, a diferença é de 8% para pessoas solteiras e de 24% para pessoas casadas com filhos. Ambas as diferenças no salário de reserva e no deslocamento para o trabalho de reserva implicam em salários mais baixos para as mulheres.
Em relação aos efeitos heterogêneos, quando condicionado à localização dos trabalhadores, foi identificado que a diferença dos trabalhadores residentes da região de Paris é menor do que no restante da França, indicando maior sensibilidade das mulheres em relação ao acesso de transportes públicos. Os resultados dos efeitos heterogêneos condicionado à idade sugerem que as diferenças do salário e do deslocamento para o trabalho de reserva entre homens e mulheres aumenta gradativamente até a faixa de idade de 40 anos
Em relação à disposição a pagar por um deslocamento mais curto para o trabalho, foi constatado que as mulheres valorizam mais essa característica no trabalho do que os homen, apresentando uma diferença de 18,2%s. O valor do tempo de deslocamento corresponde a 80% do salário bruto por hora para os homens e a 98% para as mulheres. A partir da diferença na disposição a pagar e mantendo todos os parâmetros do modelo constante, os autores auferiram que as diferenças de gênero na valoração do deslocamento explicam 14% da diferença de gênero nos salários residualizados, valor similar aos identificados em outros estudos que avaliam a valorização de de atributos em vagas de empregos.
Os resultados das análises de robustez corroboram os resultados encontrados nas análises anteriores. O modelo logit revela uma diferença de gênero significativa na valoração do deslocamento na ordem de 14 a 23%. Além disso, as regressões referentes à demanda por trabalho demonstram que a taxa de contratação diminui com a distância de deslocamento do candidato à vaga, porém não foi identificada nenhuma diferença entre os sexos. Esses resultados indicam que as diferenças entre homens e mulheres referentes ao deslocamento estão relacionadas às preferências dos trabalhadores, e não dos empregadores.
Neste artigo os autores conduziram diversas abordagens empíricas para identificar como as diferenças nos salários de reserva e na distância de deslocamento máxima aceitável entre homens e mulheres explica a diferença salarial entre os sexos. Os resultados indicam que as mulheres apresentam salários de reserva e distância de deslocamento máxima aceitável menores, independente da composição familiar, idade e localização dos trabalhadores. Adicionalmente, os autores apresentaram evidências de que esses resultados derivam da oferta de trabalho.
As evidências desse artigo ajudam a identificar fatores relacionados á diferença salarial entre homens e mulheres, subsidiando os formuladores de políticas públicas com informações úteis para a mitigação desse fenômeno. Os autores ressaltam que, tendo em vista a maior valorização do aspecto de deslocamento para o trabalho por parte das mulheres, a consolidação do trabalho remoto e o estabelecimento de políticas públicas de planejamento urbano que reduzam os padrões de deslocamento têm o potencial de provocar a diferença salarial.
Referências
ADDA, J.; DUSTMANN, C.; STEVENS, K. The Career Costs of Children. Journal of Political Economy, v. 125, n. 2, p. 293–337, abr. 2017.
KRUEGER, A. B.; MUELLER, A. I. A Contribution to the Empirics of Reservation Wages. American Economic Journal: Economic Policy, v. 8, n. 1, p. 142–179, 1 fev. 2016.
LE BARBANCHON, T.; RATHELOT, R.; ROULET, A. Gender Differences in Job Search: Trading Off Commute Against Wage. The Quarterly Journal of Economics, v. 136, n. 1, p. 381–426, 22 dez. 2020.
MAS, A.; PALLAIS, A. Valuing Alternative Work Arrangements. American Economic Review, v. 107, n. 12, p. 3722–3759, 1 dez. 2017.