Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título Original: Assortative Matching or Exclusionary Hiring? The Impact of Employment and Pay Policies on Racial Wage Differences in Brazil
Autores: François Gerard, Lorenzo Lagos, Edson Severnini, David Card
Localização da Intervenção: Brasil
Tamanho da Amostra: 22,62 milhões trabalhadores
Setor: Trabalho
Variável de Interesse Principal: Salário
Tipo de Intervenção: Política das firmas
Metodologia: OLS, IV
Resumo
Na literatura econômica, diversos mecanismos procuram explicar a existência de disparidades de renda. Entre eles, a maneira como as políticas de contratação e definição de salários das empresas impactam as desigualdades de remuneração vem ganhando atenção dos pesquisadores. Nesse sentido, este estudo verificou como tais políticas explicam as diferenças salariais entre brancos e não brancos no Brasil. Adicionalmente, os autores também verificaram como as habilidades observáveis dos trabalhadores explicam a distribuição observada para os cargos de alta remuneração. Os resultados indicaram que trabalhadores não brancos possuem uma propensão menor a trabalhar em empresas com maior remuneração, recebem prêmios salariais menores, e que um terço da seleção para cargos de alta remuneração não são explicados por pareamento seletivo das habilidades dos trabalhadores.
A raça é uma das principais variáveis que explicam o nível salarial dos trabalhadores em diversos países, mesmo quando considerado aspectos educacionais e outras variáveis observadas. De acordo com o arcabouço teórico proposto por Becker (1957), cada trabalhador enfrenta um salário determinado pelo mercado.
Recentemente, diversos autores têm procurado associar diferenças específicas das empresas à ocorrência das disparidades salariais. De acordo com os autores, essa dinâmica poderia ser explicada pelo poder de mercado das firmas, dado por uma relação monopsônica no estabelecimento dos salários dos trabalhadores. Assim, firmas de setores com maior demanda por trabalhadores qualificados definem salários maiores para atraí-los.
Nesse sentido, a desigualdade salarial dependerá de dois fatores: (i) da medida em que empresas de salários mais altos empregam de maneira diferenciada brancos e não brancos – um efeito de classificação entre empresas – , e (ii) do tamanho relativo dos prêmios salariais oferecidos por uma determinada empresa a diferentes grupos raciais - um efeito relativo de definição de salários.
Diversos estudos apresentam evidências sobre a presença de favorecimento de acordo com a raça durante o processo de seleção de trabalhadores, para minorias e não minorias (ÅSLUND; HENSVIK; SKANS, 2014; GIULIANO; LEVINE; LEONARD, 2009). Similarmente, a literatura indica uma grande sub-representação da população não branca em cargos de alto remuneração nos Estados Unidos e em países da América Latina (GERARD et al., 2021).
O Brasil possui um histórico colonial marcado pela escravidão africana, sendo reconhecidos três grupos raciais: brancos, pardos e pretos. A abolição da escravidão no Brasil se deu tardiamente em 1888, e o período posterior foi marcado pela ausência de segregações legais tal qual ocorrido nos Estados Unidos e África do Sul (GERARD et al., 2021).
Apesar da ausência de políticas de segregação racial e da considerável miscigenação racial, a desigualdade socioeconômica entre brancos e não brancos sempre foi marcada na sociedade brasileira. Esforços para a mudança desse cenário por parte do estado brasileiro passaram a se dar a partir da Constituição de 1988 e da instauração de leis anti discriminação racial entre o final da década de 80 e início da década de 90.
Mesmo com a adoção de políticas de ações afirmativas e a implementação do Estatuto da Igualdade Racial no início deste século trazendo maior destaque para o problema da desigualdade racial no Brasil, as disparidades entre brancos e não brancos no país ainda é notória em diversos segmentos e comparável à de outros países latino americanos.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a população dos trabalhadores entre 25 e 54 anos é composta por 50% brancos, 42% pardos, e 8% pretos. No Sudeste, região mais desenvolvida e populosa do país, a proporção de brancos e pardos é próxima de 58% e 33%, respectivamente. Em termos de taxa de emprego, aproximadamente 43% dos homens e 25% das mulheres são empregados no setor privado não agrícola no Brasil. No Sudeste, essa taxa varia entre 47% (brancos) e 51% (pretos) para homens e entre 23% (pardos) e 27% (brancos) para mulheres. Com relação à educação, a diferença racial entre homens brancos e não brancos é de aproximadamente 1,6 anos de escolaridade, e 1,25 anos de escolaridade entre as mulheres.
Os dados da PNAD também indicam que a diferença salarial entre brancos e não brancos varia entre 27% e 33% quando considerado apenas efeitos de estado e de ano, e entre 11% e 13% quando também é considerada a experiência e educação dos trabalhadores. Essa diferença é mais elevada na região Sudeste, e também quando considerado apenas os trabalhadores mais instruídos.
A análise principal deste artigo utilizou os dados contidos na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que fornece dados longitudinais sobre as características dos trabalhadores formais no Brasil. Para a análise principal, foram considerados dados sobre os trabalhadores do Sudeste brasileiro entre 25 e 54 anos, e compreendendo o período de 2002 a 2014.
As informações da RAIS são coletadas a partir de informações anuais enviadas pelas empresas ao Ministério do Trabalho sobre todos os funcionários que estavam na folha de pagamento no ano anterior, incluindo suas datas de contratação e demissão, ganhos médios mensais durante o ano, ganhos mensais em dezembro, horas contratadas, idade, gênero, educação e raça. A estrutura dos dados da RAIS é similar ao apresentado na PNAD.
Para avaliar o efeito das políticas específicas das firmas de contratação e definição salarial na desigualdade salarial entre brancos e não brancos no Brasil, este estudo estimou modelos de mínimos quadrados ordinários (OLS) de efeito fixo bidirecional para capturar o prêmio salarial de cada firma. Para tal, foi realizado um exercício contrafatual assumindo a ausência de discriminação racial na contratação e definição salarial (entre a mesma empresa). O método pressupõe a plausibilidade da condição de mobilidade exógena.
O modelo base do estudo considera o arcabouço teórico proposto por Abowd, Kramarz e Margolis (1999) para estimar o logaritmo do salário por hora dos trabalhadores de determinado grupo de raça-gênero e período. O modelo considera as características pessoais invariantes dos trabalhadores, o prêmio salarial específico de cada firma-período para determinado grupo de raça-gênero, e características variáveis (p.ex., efeitos fixos de tempo e experiência). Para o estabelecimento do modelo de efeito fixo bidirecional, a amostra utilizada considera apenas observações em firmas com a presença de trabalhadores de ambos os grupos.
Para corrigir o possível viés advindo de diferenças de network entre trabalhadores brancos e não brancos, os autores estimam isoladamente o efeito fixo dos trabalhadores considerando os efeitos das firmas nessa variável a partir dos métodos de OLS e variável instrumental (IV). Para a IV, utilizou-se como instrumento o efeito da firma considerando o mesmo gênero e o grupo de raça oposto.
O estudo também apresenta uma série de análises decompondo o modelo de efeito fixo bidirecional para a identificação de fontes e efeitos específicos. As abordagens de decomposição procuram identificar os impactos dos efeitos de cada indivíduo e firma na desigualdade salarial, comparando os resultados do modelo base ao usual modelo minceriano de determinação salarial e verificando possíveis efeitos de pareamento seletivo. Também foram verificados os efeitos de pareamento por habilidades utilizando a mesma abordagem contrafactual anteriormente descrita e foram checados o tamanho desses efeitos para diferentes quantidades da distribuição dos efeitos pessoais dos trabalhadores.
Por fim, o estudo também apresenta uma série de análises de robustez verificando a adequação dos modelos, alterando as suas especificações e verificando os efeitos encontrados considerando a subamostra para a região do Nordeste brasileiro.
Os resultados da análise principal indicaram que a diferença dos prêmios salariais pagos dentro das mesmas firmas explicam aproximadamente 20% da variação nos salários por hora para os quatro grupos de raça-gênero. Ou seja, os rendimentos associados aos prêmios médios das firmas explica é maior em comparação aos não brancos, ocorrendo para ambos homens e mulheres. Além disso, identificou-se que 5% a 6% da diferença salarial racial é explicada por efeitos específicos das firmas, ou seja, diferenças salariais praticadas dentro da mesma empresa.
Ao avaliar as razões da distribuição dos grupos de trabalhadores entre as firmas, também foram encontradas evidências de um forte impacto do pareamento seletivo por habilidade para trabalhadores de todos os grupos. Firmas que pagam salários 10% mais altos têm trabalhadores que ganham 5-8% a mais em qualquer local de trabalho, explicando aproximadamente 18% da desigualdade salarial entre os brancos e não brancos.
Os resultados das estimativas considerando as distribuições das habilidades dos trabalhadores indicam que cerca de dois terços do efeito da distribuição dos grupos entre as firmas é explicado pelo pareamento seletivo por habilidades (12% da desigualdade total). O outro um terço (6-8%) representa a parcela residual não explicada por habilidades, incorporando políticas discriminatórias de contratação e retenção. Adicionalmente, trabalhadores não brancos com maiores habilidades apresentaram maior penalização pela parcela não explicada por habilidades.
Neste artigo os autores verificaram como as políticas salariais e de contratação das firmas influenciam a desigualdade salarial entre brancos e não brancos no Brasil. Para tal, os autores verificaram como os trabalhadores de diferentes grupos raciais e gêneros estão distribuídos entre firmas com diferentes níveis de prêmios salariais e se as firmas estabelecem os seus critérios de seleção e remuneração adotando critérios neutros (educação, experiência e habilidades pessoais).
Os resultados deste artigo indicam que a maior parte da diferença salarial entre brancos e não brancos no Brasil seja explicada pelo nível educacional e pelas habilidades pessoais dos trabalhadores. No entanto, um terço da distribuição dos trabalhadores não brancos entre as firmas não é explicada por esses fatores. Adicionalmente, foi identificado que o efeito não explicado por fatores observáveis é maior para os trabalhadores não brancos com maior qualificação. Essas evidências destacam que parcela relevante da desigualdade salarial no Brasil pode ser associada a práticas discriminatórias por parte das firmas, reforçando a necessidade de políticas voltadas à redução de desigualdades raciais no país.
Referências
ABOWD, J. M.; KRAMARZ, F.; MARGOLIS, D. N. High Wage Workers and High Wage Firms. Econometrica, v. 67, n. 2, p. 251–333, mar. 1999.
ÅSLUND, O.; HENSVIK, L.; SKANS, O. N. Seeking Similarity: How Immigrants and Natives Manage in the Labor Market. Journal of Labor Economics, v. 32, n. 3, p. 405–441, jul. 2014.
GERARD, F.; LAGOS, L.; SEVERNINI, E.; CARD, D. Assortative Matching or Exclusionary Hiring? The Impact of Employment and Pay Policies on Racial Wage Differences in Brazil. American Economic Review, v. 111, n. 10, p. 3418–3457, 1 out. 2021.
GIULIANO, L.; LEVINE, D. I.; LEONARD, J. Manager Race and the Race of New Hires. Journal of Labor Economics, v. 27, n. 4, p. 589–631, out. 2009.