Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Título original: Cigarette taxes and smoking among sexual minority adults
Autores: Christopher S. Carpenter e Dario Sansone
Localização da Intervenção: Estados Unidos
Tamanho da Amostra: 3,3 milhões de adultos
Setor: Economia do Setor Público
Variável de Interesse Principal: Consumo de cigarros
Tipo de Intervenção: Aumento de impostos
Metodologia: DID, DDD
Resumo
A aplicação de impostos sobre os cigarros foi historicamente utilizada como uma ferramenta para fomentar a redução do seu consumo entre a população. No entanto, pouca atenção foi dada aos impactos dessa política para a população homoafetiva. Nesse sentido, este estudo realizou um quase-experimento com dados de 1996 a 2018 para avaliar o efeito da aplicação de taxas sobre o consumo de cigarros nos Estados Unidos em famílias de casais do mesmo sexo. Os resultados revelaram que o impacto da taxação sobre homens de casais homoafetivos foi consideravelmente maior em comparação ao observado para homens de casais heterossexuais. Não foram encontrados efeitos significativos de substituição do cigarro por outros comportamentos de risco, tampouco identificou-se impactos sobre gerações mais atuais.
O consumo de cigarros é um grande vetor de doenças crônicas para a população em geral, provocando consequências tanto para os seus consumidores quanto para o sistema de saúde dos países. Assim, a aplicação de impostos sobre os cigarros é comumente adotada como forma de desincentivar o tabagismo entre a população. De maneira geral, a literatura econômica corrobora a efetividade dessa estratégia de política pública adotada (DECICCA; KENKEL; LOVENHEIM, 2022), embora a magnitude desse efeito apresente variação entre diferentes estudos (CARPENTER; SANSONE, 2021).
A análise de estratos sociais também se torna relevante, levando em consideração as especificidades associadas a cada realidade de diferentes subgrupos demográficos na sociedade. Além dos jovens, subgrupo de especial interesse na compreensão do tabagismo uma vez que a maioria dos indivíduos iniciam o seu consumo antes dos 18 anos de idade, pesquisadores também analisaram os impactos desse tipo de política sobre o comportamento de indivíduos adultos mais velhos, grávidas e diferentes minorias raciais e étnicas (CARPENTER; SANSONE, 2021). Nesse contexto, pouca atenção foi dada ao efeito do aumento de tributação de cigarros para a população integrante das minorias homoafetivas.
A orientação sexual pode influenciar a eficácia da tributação sobre cigarros devido a diversos fatores. Minorias sexuais, como homens gays, mulheres lésbicas e indivíduos bissexuais, apresentam taxas de tabagismo significativamente mais altas, muitas vezes ligadas ao “estresse de minoria” causado por estigmatização e discriminação (CARPENTER; SANSONE, 2021). Isso pode levar essas populações a usar o cigarro como mecanismo de enfrentamento, tornando a tributação menos eficaz para reduzir o consumo. Além disso, pessoas dessas comunidades têm menor acesso a planos de saúde e serviços de cessação de tabagismo, o que dificulta a adoção de políticas relacionadas à saúde. Fatores como renda menor entre homens gays ou maior nível educacional entre mulheres lésbicas também podem influenciar como essas populações respondem às políticas fiscais sobre o tabaco, ensejando maior atenção dos formuladores de políticas públicas para essa população.
A tributação sobre cigarros é aplicada com o objetivo de reduzir o consumo de tabaco, aumentando o custo para os consumidores. À medida que o preço dos cigarros sobe, a ideia é que indivíduos reduzam ou cessem o hábito de fumar devido ao maior impacto financeiro. Esse tipo de política faz parte de um conjunto de medidas de controle do tabagismo que visa minimizar os danos à saúde pública. A eficácia dessa estratégia depende da elasticidade-preço da demanda, ou seja, de quanto o consumo varia em resposta a aumentos de preço. No entanto, sua eficácia pode variar dependendo de fatores socioeconômicos e demográficos, sendo influenciada diretamente pelas dinâmicas ligadas à elasticidade-preço da demanda e à renda.
Nos Estados Unidos, os impostos sobre cigarros são aplicados nos níveis federal, estadual e municipal. Em consonância com a maior parte da literatura anterior, e visto que os dados do Behavioral Risk Factor Surveillance System (BRFSS) de uso público não contêm informações geográficas detalhadas abaixo do nível estadual ao longo de todo o período da amostra, esta análise foca nos impostos estaduais sobre o consumo de cigarros. Além disso, aumentos no imposto sobre o tabaco foram implementados em quase todos os estados: no período considerado em nossa principal análise empírica, apenas dois estados — Missouri e Dakota do Norte — não aumentaram seu imposto sobre o tabaco. Os outros quarenta e oito estados, além do Distrito de Columbia, aprovaram 160 mudanças no imposto sobre cigarros desde 1996. A maioria dos estados aumentou seus impostos mais de uma vez.
De acordo com dados dos Estados Unidos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, 2018), homens gays, mulheres lésbicas e bissexuais apresentam taxas de tabagismo significativamente maiores (20,3%) do que as de adultos heterossexuais (13,7%). A diferença nas taxas de tabagismo entre minorias sexuais, de 6,6 pontos percentuais (p.p.), supera a observada entre homens e mulheres (3,6 p.p.), entre jovens de 18 a 24 anos e adultos com mais de 65 anos (2,2 p.p.), entre adultos brancos e negros (0,3 pontos p.p.), entre as regiões dos Estados Unidos com as maiores (Centro-Oeste) e menores (Oeste) taxas de tabagismo (5,9 p.p.), e entre adultos solteiros e casados (2 p.p.).
A base de dados utilizada no estudo foi o BRFSS, uma pesquisa de saúde representativa nacional conduzida pelo CDC dos Estados Unidos. O BRFSS coletou informações por meio de entrevistas telefônicas anuais com mais de 400.000 adultos não institucionalizados, com 18 anos ou mais. As entrevistas abordaram comportamentos de risco para a saúde, condições crônicas e o uso de serviços preventivos. Além disso, o BRFSS incluía dados demográficos, como idade, etnia, escolaridade e estado civil. A partir de 2011, o BRFSS passou a incluir chamadas para celulares, o que aumentou a representatividade da amostra. Mudanças metodológicas no cálculo dos pesos amostrais também foram implementadas para garantir a precisão dos resultados. O estudo utilizou dados do BRFSS entre 1996 e 2018 para avaliar o impacto da tributação sobre o consumo de cigarros entre casais homoafetivos e heterossexuais.
A identificação de casais homoafetivos no BRFSS foi realizada de maneira indireta, baseando-se nas informações fornecidas sobre o número de homens e mulheres adultos no domicílio. Quando havia exatamente dois homens adultos e nenhuma mulher, os indivíduos foram classificados como pertencentes a um casal homoafetivo masculino. Da mesma forma, casais homoafetivos femininos foram identificados quando o domicílio contava com exatamente duas mulheres e nenhum homem adulto. Casais heterossexuais, por outro lado, foram definidos pela presença de um homem e uma mulher adultos no domicílio. Essa abordagem permitiu identificar casais homoafetivos sem a necessidade de os entrevistados se declararem explicitamente como parte de uma minoria sexual, o que ajudava a evitar problemas de divulgação seletiva.
Apesar de ser uma técnica indireta, a identificação de casais homoafetivos pelo BRFSS foi validada por comparações com os módulos opcionais de orientação sexual e identidade de gênero (SOGI), introduzidos em 2014 em alguns estados. Esses módulos confirmaram que homens e mulheres em domicílios compostos por pessoas do mesmo sexo tinham maior probabilidade de se identificarem como não-heterossexuais. Em média, 11% das mulheres e 28% dos homens em lares homoafetivos se identificaram como pertencentes a uma minoria sexual, em comparação com apenas 1% nos lares heterossexuais. Além disso, homens em lares homoafetivos relataram maior frequência de testes de HIV e uso de preservativos para prevenção de doenças, corroborando a confiabilidade dos dados do BRFSS em pesquisas sobre comportamentos de saúde e orientação sexual.
O método utilizado para estimar o impacto do aumento de impostos sobre cigarros no consumo de tabaco baseou-se em uma técnica chamada diferença-em-diferença (DID). Essa abordagem compara a variação no comportamento de fumar entre dois grupos: um afetado pelo aumento do imposto e outro não. A ideia central é verificar como o consumo de cigarros mudou nos estados após a aplicação do imposto em comparação com os estados que não sofreram essa mudança, estimando para diferenças entre os indivíduos e estados antes e depois do aumento. O modelo construído controlou por fatores fixos de cada estado e período, como características demográficas dos indivíduos (idade, raça, etnia e educação) e variações ao longo do tempo dos estados de população e taxa de emprego. Adicionalmente, também verificou-se os impactos para diferentes estruturas matrimoniais e horizontes de tempo (1993–2018, 1996–2010 e 2011–2018), verificando a hipótese de que praticantes do tabagismo de gerações mais jovens são menos sensíveis ao aumento dos preços.
Além disso, o estudo também apresenta um modelo de tripla-diferença (DDD). Similar ao método de DID, o método de DDD considera a relação de diferenças entre grupos de observações distintas dentro da amostra, adicionando um novo grupo para a identificação de efeito causal por meio das diferenças após a intervenção. Logo, o modelo de DDD incorporou a diferença entre os indivíduos de casais de mesmo sexo em relação a casais de sexos diferentes. Essa abordagem permite identificar se os impostos sobre cigarros apresentaram um efeito diferencial maior sobre os indivíduos de famílias homoafetivas.
Por fim, para verificar a hipótese de que o maior comportamento de risco por indivíduos homoafetivos seja decorrente de discriminações históricas sofridas por essa população, o estudo também realizou análises referentes à presença de efeitos da política sobre um possível mecanismo de substituição entre o tabagismo e outros comportamentos de risco. Assim, estimou-se o efeito do aumento dos impostos sobre cigarro no consumo de álcool, peso corporal, realização de exercícios físicos, testes de HIV ou AIDS.
Os resultados indicaram que o aumento de um dólar nos impostos sobre cigarros reduziu a probabilidade de fumar diariamente entre indivíduos em lares homoafetivos. Para as mulheres, essa redução foi de 0,6 p.p., mas o efeito não foi estatisticamente significativo em todos os modelos. Para os homens, o impacto foi mais expressivo, com uma redução de 1,8 p.p. na probabilidade de ser fumante diário, mantendo-se estatisticamente significativo. Além disso, observou-se que o aumento dos impostos também diminuiu a probabilidade de fumar atualmente, especialmente entre os homens. Esses resultados demonstraram que os impostos sobre cigarros foram eficazes para reduzir o consumo, especialmente entre homens de casais do mesmo sexo.
Com relação aos efeitos considerando diferentes horizontes de tempo, os testes de robustez realizados confirmaram que o impacto dos impostos sobre cigarros foi consistente para os homens. Para os homens, os efeitos foram mais fortes no período de 1996 a 2010, indicando que o impacto dos impostos pode ter diminuído nos anos mais recentes. Quando a análise foi restrita a indivíduos nunca casados ou que viviam com parceiros não casados, observou-se um efeito ainda mais pronunciado nos homens.
Os resultados indicaram que o aumento de impostos sobre cigarros reduziu o tabagismo diário tanto entre mulheres quanto entre homens em lares heteroafetivos. A redução foi de 0,6 p.p. para mulheres e 0,4 p.p. para homens, replicando descobertas anteriores sobre o impacto dos impostos no consumo de cigarros na população geral. No entanto, para os homens em lares homoafetivos, o impacto foi mais pronunciado. O aumento de um dólar no imposto foi 0,9 p.p. mais eficaz na redução do tabagismo entre esses homens, sugerindo que, sem o aumento de impostos, a diferença nas taxas de tabagismo entre homens heteroafetivos e homoafetivos teria sido maior.
Referente aos efeitos sobre outros comportamentos de risco, os aumentos nos impostos sobre cigarros não geraram impactos significativos no consumo de álcool, práticas de exercícios, peso corporal ou testes de HIV entre homens em lares homoafetivos. Isso indicou que a redução no tabagismo não foi substituída por outros comportamentos prejudiciais. No entanto, o aumento dos impostos sobre cigarros melhorou significativamente a saúde autoavaliada desses homens. A probabilidade de relatar saúde excelente ou muito boa aumentou, enquanto a chance de relatar saúde regular ou ruim diminuiu, sugerindo uma melhoria geral no bem-estar.
Neste artigo, os autores investigaram como o aumento dos impostos sobre cigarros influenciou o consumo de cigarros entre diferentes grupos de indivíduos, especialmente em relação a homens e mulheres em lares do mesmo sexo. Os resultados mostraram que o aumento dos impostos levou a uma redução significativa no consumo diário de cigarros entre homens em lares do mesmo sexo, com um efeito mais acentuado em comparação com homens em lares diferentes-sexos. Para as mulheres em lares do mesmo sexo, a redução foi menos relevante.
Essas descobertas indicam que o aumento dos impostos sobre cigarros teve um impacto mais forte no consumo entre homens em lares do mesmo sexo, o que sugere que políticas de tributação podem ser ajustadas para atender melhor às necessidades específicas de diferentes grupos. Para os formuladores de políticas, esses resultados ressaltam a importância de considerar as variações no comportamento de consumo de diferentes subgrupos ao projetar estratégias de controle do tabagismo. A implementação de políticas que levem em conta essas diferenças pode potencialmente aumentar a eficácia das medidas de redução de consumo de tabaco.
Referências
CARPENTER, C. S.; SANSONE, D. Cigarette taxes and smoking among sexual minority adults. Journal of Health Economics, 2021.
CDC, 2018, 2017. Tobacco Product Use Among Adults: United States. Morb. Mortal. Wkly. Rep. 67, 1-8
DECICCA, P.; KENKEL, D.; LOVENHEIM, M. F. The Economics of Tobacco Regulation: A Comprehensive Review. Journal of Economic Literature, v. 60, n. 3, p. 883–970, 2022.