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Quais são os efeitos da mudança técnica na agricultura sobre o setor industrial?

02 jun 2022

Pesquisadora responsável: Viviane Pires Ribeiro

Autores: Paula Bustos, Bruno Caprettini e Jacopo Ponticelli

Localização da Intervenção: Brasil

Tamanho da Amostra: Duas culturas

Grande tema: Agricultura

Variável de Interesse principal: Mudança técnica na agricultura

Tipo de Intervenção: Análise dosefeitos da produtividade agrícola na transformação estrutural

Metodologia: Modelo econométrico

Há uma longa tradição na economia de estudar as relações entre produtividade agrícola e desenvolvimento industrial. O estudo realizado por Bustos et al. (2016), por exemplo, fornece evidência empírica direta sobre os efeitos da produtividade agrícola na transformação estrutural. Os autores isolam esses efeitos analisando a introdução da soja geneticamente modificada no Brasil. Essa tecnologia permite que os agricultores empreguem menos trabalhadores por unidade de terra para produzir a mesma produção, aumentando a produtividade do trabalho na agricultura. Os resultados do estudo sugerem que a mudança técnica na produção de soja foi fortemente poupadora de mão de obra e levou ao crescimento industrial, conforme previsto pelo modelo.

Contexto da Avaliação

Durante as últimas décadas a agricultura brasileira contou com duas novas tecnologias agrícolas para o cultivo de soja e milho. A primeira é o uso de sementes geneticamente modificadas (GE) no cultivo de soja. A segunda é a introdução de uma segunda época de colheita de milho durante o mesmo ano agrícola, o que requer o uso de técnicas avançadas de cultivo.

Por um lado, observa-se que a principal vantagem das sementes de soja transgênica em relação às sementes tradicionais é que são resistentes a herbicidas, o que facilita o uso de técnicas de plantio direto. Ou seja, o plantio de sementes de soja transgênica não requer preparo do solo, pois a aplicação de herbicida elimina seletivamente todas as ervas daninhas indesejadas sem prejudicar a cultura. Como resultado, as sementes de soja transgênica podem ser aplicadas diretamente nos resíduos da safra passada, permitindo que os agricultores economizem nos custos de produção, pois é necessário menos mão de obra por unidade de terra para obter a mesma produção.

Por outro lado, a introdução de uma segunda época de colheita para o milho pode afetar a procura por mão de obra no setor agrícola por meio dos efeitos intra-safra e entre culturas. O primeiro efeito deve-se diretamente à introdução de uma segunda colheita que aumenta a demanda por trabalho relativamente ao valor de referência de uma colheita de milho. O segundo efeito deve-se à expansão do milho sobre áreas anteriormente dedicadas a atividades menos intensivas em mão de obra, o que também tende a aumentar a demanda por trabalho.

Detalhes da Intervenção

A literatura de desenvolvimento documentou que a trajetória de crescimento da maioria das economias desenvolvidas foi acompanhada por um processo de transformação estrutural. À medida que as economias se desenvolvem, a participação da agricultura no emprego cai e os trabalhadores migram para as cidades para encontrar emprego nos setores industrial e de serviços. Nesse contexto, Bustos et al. (2016) fornecem evidências empíricas diretas sobre os efeitos da mudança técnica na agricultura sobre o setor industrial, estudando a recente adoção generalizada de novas tecnologias agrícolas no Brasil. Os autores analisam os efeitos da adoção de sementes de soja geneticamente modificadas (soja transgênica). Esta nova tecnologia requer menos trabalho por unidade de terra para produzir a mesma produção. Assim, pode ser caracterizada como uma mudança técnica que aumenta o trabalho. Além disso, os autores estudam os efeitos da introdução de uma segunda época de colheita de milho (milho safrinha). Esta técnica permite cultivar duas safras por ano, aumentando efetivamente a dotação de terras. Desse modo, pode ser caracterizada como uma mudança técnica de aumento da terra. A expansão simultânea dessas duas culturas permite avaliar o efeito da produtividade agrícola na transformação estrutural em economias abertas.

As principais fontes de dados utilizadas no estudo foram o Censo Agropecuário, o Censo da População e o banco de dados de Zonas Agroecológicas Globais da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Para realizar verificações de robustez, foram utilizados os dados da Pesquisa Industrial Anual Brasileira (PIA). Além disso, o Censo Demográfico foi usado para construir medidas da composição setorial do emprego e dos salários médios. Mais especificamente, os dados das duas últimas rodadas do censo (2000 e 2010) para observar as variáveis ​​de interesse antes e depois da legalização das sementes de soja transgênica. Ademais, foi obtida uma medida exógena de mudança tecnológica na agricultura usando estimativas de rendimentos potenciais de soja e milho em áreas geográficas do Brasil a partir do banco de dados FAO-GAEZ.

Detalhes da Metodologia

Para orientar o trabalho empírico, Bustos et al. (2016) construíram um modelo simples que descreve uma pequena economia aberta de dois setores em que a mudança técnica na agricultura pode ser influenciada por fatores. O modelo prevê que um aumento Hicks-neutral na produtividade agrícola induz uma redução no tamanho do setor industrial à medida que a mão de obra for realocada para a agricultura, como em modelos clássicos de economia aberta. Resultados semelhantes são obtidos quando a mudança técnica expande a terra. No entanto, se a terra e o trabalho são fortes complementos na produção agrícola, a mudança técnica que aumenta o trabalho reduz a demanda de trabalho na agricultura e faz com que os trabalhadores sejam realocados para a manufatura. Em suma, o modelo prevê que os efeitos da produtividade agrícola na transformação estrutural nas economias abertas dependem do viés fatorial da mudança técnica.

Os autores propõem estabelecer a direção da causalidade usando duas fontes de variação exógena na rentabilidade da adoção da tecnologia. Primeiro, no caso da soja transgênica, como a tecnologia foi inventada nos EUA em 1996 e legalizada no Brasil em 2003, é usada essa última data como a fonte de variação ao longo do tempo. Em segundo lugar, como a nova tecnologia teve um impacto diferencial nos rendimentos dependendo das características geográficas e climáticas, utilizam-se as diferenças na adequação do solo entre as regiões como a fonte de variação transversal. Da mesma forma, no caso do milho, são exploradas o momento de expansão do milho de segunda safra e as diferenças regionais na adequação do solo.

Resultados

Em uma primeira análise foram constatadas que as regiões onde a área cultivada com soja se expandiu experimentaram aumento da produção agrícola por trabalhador, redução da intensidade de trabalho na agricultura e expansão do emprego industrial. Essas correlações são consistentes com a previsão teórica de que a adoção de tecnologias agrícolas que aumentam o trabalho reduz a demanda de trabalho no setor agrícola e induz a realocação de trabalhadores para o setor industrial. No entanto, a causalidade pode ocorrer na direção oposta. Por exemplo: um aumento da produtividade no setor industrial poderia aumentar a demanda de mão de obra e os salários, induzindo as empresas agrícolas a mudar para culturas menos intensivas em mão de obra, como a soja.

Os resultados sugerem que os municípios onde se prevê que a nova tecnologia tenha um efeito maior nos rendimentos potenciais de soja experimentaram uma maior expansão da área plantada com soja transgênica. Observa-se que essas regiões experimentaram também aumentos no valor da produção agrícola por trabalhador e reduções na intensidade de trabalho medida como emprego por hectare. Além disso, elas experimentaram um crescimento mais rápido do emprego e reduções salariais no setor industrial. Curiosamente, os efeitos da adoção da tecnologia são diferentes para o milho. As regiões onde se prevê que os rendimentos potenciais de milho da FAO aumentassem mais ao mudar da tecnologia tradicional para a nova, de fato, experimentaram um aumento maior na área plantada com milho. No entanto, eles também experimentaram aumentos na intensidade do trabalho, reduções no emprego industrial e aumentos nos salários.

Em relação à análise do setor de serviços, uma característica central é a distinção entre dois efeitos da mudança técnica agrícola: o efeito de oferta e o efeito de demanda. No caso da mudança técnica de aumento da terra, o primeiro efeito é gerado pelo aumento do produto marginal do trabalho no setor agrícola, que retira trabalhadores de outros setores. O segundo efeito é gerado pelo aumento da renda resultante da mudança técnica na agricultura que leva ao aumento da demanda por serviços não comercializáveis. Ambos os efeitos levam a uma realocação de mão de obra para fora do setor manufatureiro. No entanto, quando a mudança técnica economiza mão de obra, o efeito da oferta libera os trabalhadores agrícolas. Como resultado, o efeito líquido da mudança técnica agrícola sobre a industrialização depende da força relativa dos efeitos de oferta e demanda. Além disso, o efeito da demanda é impulsionado apenas pelo aumento das rendas da terra. Assim, sua força depende da medida em que os proprietários de terras consomem serviços na região onde suas terras estão localizadas. Os resultados empíricos implicam que em regiões mais afetadas por mudanças técnicas que poupam mão de obra, tal fator de produção foi realocado da agricultura para a manufatura e não para os serviços.

Lições de Política Pública

O estudo realizado por Bustos et al. (2016) contribuem para o debate sobre os efeitos da produtividade agrícola na industrialização em economias abertas. Os autores argumentam que esses efeitos dependem crucialmente do viés de fatores da mudança técnica. Assim, o estudo fornece evidências de que, quando a mudança técnica na agricultura é fortemente poupadora de mão de obra, como no caso da soja geneticamente modificada, ela pode fomentar a industrialização. Quando, em vez disso, a mudança técnica é tendenciosa ao trabalho, como no caso da introdução de uma segunda safra no milho, a produtividade agrícola pode retardar a industrialização.

Os diferentes efeitos da mudança tecnológica na agricultura documentados para a soja e o milho indicam que o fator viés da mudança técnica é uma determinante chave da relação entre produtividade agrícola e transformação estrutural em economias abertas. A mudança técnica de aumento da terra, o caso do milho de segunda colheita, leva a um aumento do produto marginal do trabalho na agricultura e a uma redução no emprego industrial. No entanto, a mudança técnica que aumenta a mão de obra, o caso da soja transgênica, leva a uma redução do produto marginal da mão de obra na agricultura e ao crescimento do emprego no setor industrial.

As estimativas obtidas pelo estudo podem ser usadas para quantificar o efeito da mudança técnica agrícola influenciada por fatores na transformação estrutural. Em particular, Bustos et al. (2016) calcularam a elasticidade das parcelas setoriais do emprego às mudanças na produtividade agrícola induzidas pela mudança técnica da soja: 1% de aumento na produtividade do trabalho agrícola leva a uma redução de 0,16 pontos percentuais na parcela do emprego agrícola e a um aumento na parcela do emprego industrial de magnitude semelhante. Essas estimativas podem ser usadas para compreender até que ponto as diferenças observadas na velocidade de transformação estrutural entre os municípios brasileiros podem ser explicadas por mudanças técnicas na soja que economizam mão de obra.

Referências

BUSTOS, Paula; CAPRETTINI, Bruno; PONTICELLI, Jacopo.   Agricultural productivity and structural transformation: Evidence from Brazil. American Economic Review, v. 106, n. 6, p. 1320-65, 2016.