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Transferências Constitucionais do FPM: quais os incentivos para a corrupção?

24 ago 2020

Pesquisador responsável: Pedro Jorge Holanda Alves

Título do artigo: THE POLITICAL RESOURCE CURSE

Autores do artigo: Fernanda Brollo; Tommaso Nannicini; Roberto Perotti; Guido Tabellini;

Localização da intervenção: Brasil

Tamanho da amostra:  1202 municípios

Setor: Política Econômica e Governança

Variável de interesse principal: Corrupção

Método de avaliação: Avaliação Experimental (RCT)

O Problema de Política

Imagine uma situação em que um país descubra uma nova fonte de riqueza ou que mais fundos sejam transferidos de um governo geral para uma região local. Esses recursos iriam gerar crescimento inesperado nas receitas do governo, mas será que seriam benéficas para a sociedade? Pela teoria da maldição dos recursos naturais, essa resposta seria não, já que por esse paradoxo, países com abundância de riqueza natural tendem a ter menor crescimento econômico devido a incapacidade de gestão desses resultados e aos mecanismos de mercado, que apreciam a taxa de câmbio real.

De acordo com uma ampla literatura, um dos motivos do atraso econômico é o mau funcionamento das instituições governamentais. Este mau funcionamento é direcionado a aspectos relacionados a corrupção, que são definidos na literatura como um efeito complementariedade: maiores receitas inesperadas induzem maior corrupção e atraí indivíduos de menor qualidade para a política.

O que Brollo et al. (2013) analisam como uma colheita inesperada das receitas governamentais no Brasil afeta na decisão dos políticos de se corromper ou não. À luz desses resultados (teóricos), os autores utilizaram um cenário próximo do ideal para avaliar quais as implicações empíricas nos municípios brasileiros. Para isso, utilizaram o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fundo de transferência constitucional do Brasil, como uma forma de encontrar as causas reais de como as receitas adicionais afetam a qualidade dos políticos. Mas como isso seria possível?

O Contexto de Implementação e de Avaliação

Com a determinação da Constituição Federal brasileira de 1988, é possível utilizar os municípios próximos do FPM como experimento de avaliação para descobrir quais os efeitos de um acréscimo de receita do governo nas políticas de corrupção e na qualidade dos políticos. Para o caso dos municípios, o principal instrumento para repasse de verba é o FPM (representa em média 40% da receita municipal e 75% de todas as transferências federais).

As informações sobre as receitas vindas do FPM foram retiradas pelos autores da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a estimativa populacional do IBGE para dois períodos de gestão completa dos prefeitos (2001–2004 e 2005–2008). Como abrangência do experimento, os autores definiram sua amostra composta por todos os municípios próximos as 7 primeiras faixas, representadas na tabela 1. A justificativa se parte de que quanto maior o tamanho populacional do município menor a mudança de comportamento dos indivíduos próximos a faixa.

Tabela 1 - Coeficientes do FPM

Intervalo PopulacionalCoeficientes do FPM
Abaixo de 10.1890,6
10.189-13.5840,8
13.585-16.9801
16.981-23.7721,2
23.773-30.5641,4
30.565-37.3561,6
37.357-44.1481,8
44.149-50.9402
Acima de 50.9402,2 até 4
Retirado de Brollo et al. (2013)

Como o objetivo é avaliar como estes municípios se comportam acerca da corrupção, os autores utilizaram os dados sobre corrupção, retirados da Corregedoria Geral da União (CGU) a partir do programa brasileiro de anticorrupção. O programa foi lançado em 2003 e consiste em selecionar municípios de forma aleatória por uma loteria para serem auditados. A base de dados representou cerca de 1.202 observações, sendo 802 municípios auditados entre 2001 e 2004 e 400 municípios entre 2005 e 2008. Outras informações eleitorais foram coletadas do Supremo Tribunal Eleitoral.

Detalhes da Política/Programa

Pelo programa brasileiro de anticorrupção, os auditores reúnem informações sobre os municípios inspecionados e, alguns meses após a auditoria, divulgam os relatórios para todos os níveis de governo, disponibilizando no site da Controladoria Geral da União (CGU). Com informações de 2001 até o presente, o relatório contém uma lista detalhada com todas as irregularidades encontradas pelos auditores, como por exemplo, fraude, licitação não competitiva, faturamento excessivo, desvio de fundos e etc.

Assim, pelo relatório, é possível detectar os tipos de irregularidades que o governo público local (administração pública municipal) está tomando, se tornando uma base valiosa para avaliação de corrupção. Para definir suas variáveis a serem estudadas, os autores afirmam que a corrupção pode ser definida como ampla e estreita. A corrupção ampla inclui irregularidades que também poderiam ser interpretadas como má administração, enquanto que a corrupção estreita são irregularidades graves com maior probabilidade de serem visíveis para os eleitores.

Método de Avaliação

Pela tabela 1 é possível observar que essas faixas são discretas por um intervalo populacional, de forma que seja possível observar que as transferências para os municípios devem mudar de forma descontínua entre os intervalos das faixas populacionais. Com outras palavras, devido ao estabelecimento constitucional, os municípios próximos a faixa do FPM recebem quantidade de verbas divergentes em proporções diferentes que suas diferenças populacionais representam apenas por estar de lados diferentes da faixa.

Usemos um caso como exemplo: municípios com 10.150 habitantes e 10.200 são muito parecidos em termos de população e logo não deveriam ter níveis de arrecadação tributária diferentes. Contudo, devido as faixas, os municípios abaixo de 10.189 recebem menos do que aqueles que estão acima. Assim, é possível enxergar que municípios próximos as faixas do FPM possuem descontinuidade nas receitas, podendo atribuir esse efeito como um acréscimo de receita inesperado. Esse efeito, pode servir de canal como possível efeito para outros mecanismos, que é o que está para ser discutido aqui.

Os dados foram divididos em duas amostras de municípios: uma amostra pequena e uma grande e foram restringidas a amostra a municípios com menos de 50.940 habitantes devido às limitações nos governos locais auditados. Da maneira que a configuração institucional está descrita, é possível atribuir um mecanismo de tratamento típico a partir de um desenho de regressão descontínua do tipo difusa (ou fuzzy). Este método atribui ao tratamento a dependência de uma variável que seja contínua, mas por motivos externos, gerem resultados descontínuos. Para este exercício, essa variável seria a população, que é continua ao longo dos municípios, mas devido a constituição gera descontinuidade para aqueles municípios próximos as faixas.

O método de regressão descontínua do tipo fuzzy é implementado pelo motivo de existir casos de atribuição incorreta em torno dos pontos de corte populacional. Em outras palavras, nem todo município próximo a faixa tem um crescimento significativo nas suas receitas oriundas do FPM. Por isso, a RDD do tipo fuzzy trabalha apenas com os municípios que tiveram descontinuidade nas faixas, fazendo com que seus dados representem apenas indivíduos que tiveram esse comportamento. O objetivo dos autores é descobrir como esses municípios se qualificaram nos resultados de corrupção obtidos a partir dos dados da auditoria.

Principais Resultados

Os resultados mostram que um aumento em 10% das transferências federais aumenta a incidência de uma ampla medida de corrupção em 6 pontos percentuais e a incidência de uma medida mais restritiva em 16 pontos percentuais. Ao mesmo tempo, um aumento de 10% de transferências piora a qualidade dos candidatos políticos desafiando os candidatos que disputam a reeleição, diminuindo a fração de opositores com pelo menos um diploma universitário em 7 pontos percentuais. Como resultado, candidatos que recebem maiores transferências aumentam sua probabilidade de reeleição em 6 pontos percentuais.

No geral, as evidências empíricas mostraram que uma grande quantidade de transferências aumenta a verificação de corrupção e reduzem o nível educacional médio dos candidatos a prefeito. As descobertas empíricas encontradas pelos autores apontam para a existência do que chamamos de “maldição dos recursos políticos”, isto é, um impacto negativo dos recursos inesperados sobre a corrupção política e a seleção política. Os abusos detectados pelas auditorias sugerem que os municípios brasileiros são um ambiente institucional frágil, onde os problemas de agência política são generalizados.  

Lições de Política Pública

Pode ser que uma herança de recursos não tenha os mesmos efeitos deletérios em outros contextos, como sociedades com uma longa tradição de bom governo e com abundante capital social. No entanto, os recursos adicionais são frequentemente atribuídos precisamente a regiões ou países com instituições fracas. Por isso, é necessário de que essas políticas de transferências sejam tomadas com cuidado, pois, mesmo que elas tenham o objetivo de reduzir desigualdades regionais ou gerar incentivos benéficos para a população local, esses resultados, como encontrados por Brollo et al. (2013), podem gerar resultados contrários.

Referências:

BROLLO, Fernanda et al. The political resource curse. American Economic Review, v. 103, n. 5, p. 1759-96, 2013.