Pesquisadora responsável: Eduarda Figueiredo
Título original: Is the Cure Worse than the Disease? Unintended Effects of Payment Reform in a Quantity-Based Transfer Program
Autora: Katherine Meckel
Localização da Intervenção: Texas
Tamanho da Amostra: 11.424
Setor: Política Pública
Variável de Interesse Principal: Efeito do EBT (cartão do voucher)
Tipo de Intervenção: Vouchers de Quantidade
Metodologia: Diff-in-Diff
Resumo
Vouchers de quantidade, que conferem quantidades fixas de determinados produtos, utilizados por muitos programas de combate à pobreza nos Estados Unidos. Antes da implementação de uma tecnologia de cartão para a utilização desses programas, era utilizados vouchers de papel, que abria as portas para diversas práticas ilegais do ponto de vista das regras do programa, como a discriminação de preços. Este estudo buscou analisar o efeito da implementação dessa tecnologia na discriminação de preços e no bem-estar dos participantes. Os resultados, realizados através de uma modelagem de diferenças em diferenças, sugerem efeitos ambíguos.
Muitos programas de combate à pobreza nos Estados Unidos proporcionam benefícios em vez de dinheiro. Dentro deles temos os fornecimentos de vouchers de valor, que funcionam como dinheiro que só pode ser gasto em determinados bens. Outros programas disponibilizam vouchers de quantidade, que conferem quantidades fixas de determinados produtos (Currie e Gahvari, 2008; Hoynes e Schanzebach, 2015).
Os vouchers de quantidade podem ser usados para alterar de forma mais eficaz os padrões de consumo dos beneficiários e para manter fixo o valor real dos benefícios, o que é útil quando a variação local de preços não é observada (Bronchetti, Christensen e Hoynes, 2019). No entanto, os participantes tornam-se pouco sensíveis em termos de alteração de preços, o que incentiva que as empresas participantes aumentem os seus preços e, consequentemente, aumentando a carga fiscal do programa.
Para analisar essas compensações dos vouchers de quantidade, este artigo aqui analisado estudam os efeitos de uma reforma salarial no Programa Especial de Nutrição Suplementar para Mulheres, Bebês e Crianças (WIC)[1] no Texas. Para isso, a autora gerou três previsões sobre os efeitos da implementação da Transferência Eletrônica de Benefícios (EBT)[2]:
A partir destas previsões é analisado o efeito global do EBT no bem-estar social.
O WIC é um programa de assistência federal que oferece a mulheres grávidas e lactantes de baixa renda e a crianças menores de 5 anos uma transferência mensal de quantidades específicas de alimentos nutritivos, conforme apresentado na Tabela 1. Para serem elegíveis, as famílias devem ganhar menos de 185% do nível de pobreza federal[3] ou se qualificar para o Medicaid[4] e ser considerado em “risco nutricional”.
Os participantes recebem vouchers de quantidade que podem ser resgatados em supermercados participantes. Além disso, o WIC oferece aos participantes exames de saúde, aulas de nutrição e encaminhamentos para outros serviços sociais. A literatura descobriu que o WIC melhora a saúde infantil, a saúde materna, a amamentação e o acesso a outros serviços sociais (Bitler e Currie, 2005; Rossin-Slater, 2013).
Tabela 1: Pacotes de benefícios padrão (WIC), Texas
Fonte: Meckel (2020).
Antes da reforma dos pagamentos, os participantes do WIC usavam vouchers em papel para adquirir os benefícios. As lojas WIC registravam os preços dos benefícios nos vouchers e depois os enviariam para reembolso. Dessa forma, as lojas WIC são incentivadas a cobrar preços mais altos dos clientes WIC do que cobram dos clientes não-WIC, pois as tecnologias de cobranças de clientes são separadas entre os dois grupos. A discriminação de preços é proibida pelas regras do programa, mas os relatórios governamentais concluem que ela ocorre, principalmente em lojas menores (Government Accountability Office, 1999; Saitone, Sexton e Volpe, 2015).
Após a reforma, os vouchers passam a ser um cartão inteligente de plástico que autoriza transações WIC no caixa do supermercado, a Transferência Eletrônica de Benefícios (EBT). O EBT integra a tecnologia de cobrança de preços na própria caixa registradora eletrônica da loja, assim, o EBT permite ao governo observar diretamente os preços de uma loja, forçando que os preços sejam os mesmos para os clientes WIC e não-WIC.
O EBT foi introduzido em diferentes grupos de condados em datas diferentes durante os anos 2005-2009.
Foram utilizados dados sobre todos os fornecedores de alimentos aos beneficiários do WIC durante os anos de 2007 a 2010 do Departamento de Serviços de Saúde do Texas[5]. Para cada ano fiscal, os dados incluem nome e endereço do fornecedor, tipo de fornecedor, se era fornecedor novo no WIC, total de meses de participação e informações sobre atividades de monitoramento. A autora limita a amostra apenas aos fornecedores do tipo mercearias, que equivale a 95,5% das lojas na amostra. Os outros tipos de mercearias foram usados como placebos.
Para avaliar os efeitos causais da mudança dos vouchers em papel para o EBT, foi explorada a variação no momento exato da implementação do EBT nos condados do Texas através de um modelo de Diferenças em Diferenças. Comparando os resultados das lojas e dos participantes antes e depois da mudança. Portanto, a variável de interesse principal aqui é o efeito do EBT no ano fiscal, mês e unidade geográfica.
As investigações de discriminação de preços concluídas após o EBT com sanção foram de apenas 3,4%. Anteriormente, com vouchers em papel, 13% das investigações resultaram em alguma sanção por discriminação de preços. Logo, os resultados são consistentes com a ideia de que o EBT elimina a discriminação de preços.
Os resultados também sugerem uma redução nas lojas WIC independentes por condado de 0,11 após a implementação do EBT. Já para as lojas de rede, também há uma redução, mas bem menor, de 0,06, que não é significativo.
Em relação a localidade das lojas WIC, os resultados do estudo demonstraram que para lojas WIC independentes o efeito é impreciso. Porém, para lojas de rede há um aumento 10 pontos percentuais na probabilidade de abandono de uma loja WIC presente em uma localidade com maior índice de pobreza. Logo, esta evidência sugere que a pobreza do código postal explica uma parte importante da variação no comportamento de abandono entre lojas WIC de redes e lojas WIC independentes.
Já o efeito do EBT nos preços pagos por clientes não-WIC mostra que as lojas WIC independentes tem um aumento no preço dos produtos WIC em 6,44%. Já para as lojas WIC de rede, o efeito sobre os preços é pequeno (0,10%) e não significativo. Esses resultados apoiam a hipótese da autora de que as lojas WIC que discriminavam preços antes do EBT devem aumentar os preços dos produtos WIC, inclusive para os clientes não-WIC.
Já os efeitos do EBT no bem-estar são ambíguos. Em que dependem do excedente associado a uma família adicional que participa do WIC, do nível da margem de discriminação de preços e da base sobre a qual a margem é aplicada.
Os vouchers baseados em quantidade oferecem aos participantes as mesmas quantidades de produtos do programa, independentemente dos preços, tornando-os inelásticos em termos de preço. A tecnologia nova, que altera de vouchers de papel para um cartão, busca reduzir a discriminação de preços entre supermercados que participam do WIC. Portanto, os resultados sugerem que a implementação do EBT foi bem-sucedida na redução de discriminação de preços, mas também aumentou o abandono das lojas do programa. Portanto, um efeito ambíguo.
Referências
Bitler, Marianne P., and Janet Currie. 2005. “Does WIC Work? The Effects of WIC on Pregnancy and Birth Outcomes.” Journal of Policy Analysis and Management 24 (1): 73–91.
Bronchetti, Erin T., Garret S. Christensen, and Hilary W. Hoynes. 2019. “Local Food Prices, SNAP Purchasing Power, and Child Health.” Journal of Health Economics 68: 102231. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0167629619304151.
Currie, Janet, and Firouz Gahvari. 2008. “Transfers in Cash and In-Kind: Theory Meets the Data.” Journal of Economic Literature 46 (2): 333–83.
Government Accountability Office. 1999. Efforts to Control Fraud and Abuse in the WIC Program Can Be Strengthened. Washington, DC: Report to Congressional Committee GAO-RCED-99D224GAO.
Hoynes, Hilary, and Diane Whitmore Schanzenbach. 2015. “US Food and Nutrition Programs.” In Economics of Means-Tested Transfer Programs in the United States, Vol. 1, edited by Robert A. Moffitt, 219–301. Chicago: University of Chicago Press.
Rossin-Slater, Maya. 2013. “WIC in Your Neighborhood: New Evidence on the Impacts of Geographic Access to Clinics.” Journal of Public Economics 102 (C): 51–69.
Saitone, Tina L., Richard J. Sexton, and Richard J. Volpe. 2015. “A Wicked Problem? Cost Containment in the Women, Infants and Children Program.” Applied Economic Perspectives and Policy 37 (3): 378–402.
[1] Special Supplemental Nutrition Program for Women, Infants and Children (WIC).
[2] Electronic Benefit Transfer (EBT).
[3] Em 2020, ano do estudo, o nível de pobreza federal era US$ 47.638 para uma família de quatro pessoas.
[4] Medicaid é um programa de segurança da saúde nacional americano para pessoas de baixa renda. Para mais informações: https://www.medicaid.gov/. Acesso em 13 maio de 2024.
[5] Texas Department of State Health Services (Texas DSHS).