08
2021
Membros do Observatório Constitucional do IDP, compõem comissão de juristas na Câmara de Deputados
[vc_row][vc_column][vc_column_text]Professores membros do Observatório Constitucional do IDP, compõem comissão de juristas na Câmara dos Deputados para elaborar anteprojeto de legislação que sistematize normas do processo constitucional brasileiro.
Confira a matéria por André Rufino do Vale[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]A Câmara dos Deputados instituiu uma comissão de juristas para elaborar anteprojeto de legislação que sistematize as normas de processo constitucional brasileiro [1]. O ato de criação se justifica pela necessidade de consolidação, sistematização e harmonização das normas que tratam do processo e julgamento das ações do controle abstrato de constitucionalidade, das reclamações constitucionais, do mandado de segurança, do habeas data, do mandado de injunção e dos recursos extraordinários, atualizando-as com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row][vc_column][vc_column_text]Juristas que há muitos anos participam deste Observatório Constitucional também compõem a referida comissão, como o seu ilustre presidente, o professor e ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, além de grandes constitucionalistas como Ingo Sarlet (relator da comissão) e Lenio Streck, assim como os colegas Georges Abboud, Rodrigo Mudrovitsch e Victor Fernandes.
O Observatório, portanto, acompanhará de perto os trabalhos dessa importante comissão e, por isso, pretendo desde logo deixar aqui algumas sugestões (não serei exaustivo), levando em conta os limites próprios deste espaço da coluna.
O processo constitucional brasileiro se caracteriza — e assim se distingue dos modelos do Direito Comparado — pela quantidade, diversidade e originalidade de ações constitucionais destinadas à garantia dos direitos e à proteção da Constituição. Ao contrário dos modelos verificados em outros países, o sistema brasileiro não reserva a um único tipo de ação ou de recurso a função de proteção dos direitos fundamentais. Diferentes ações constitucionais estão voltadas a esse objetivo, cada uma com sua especificidade, principalmente, o mandado de segurança — uma criação genuína do sistema constitucional brasileiro, com inspiração no juicio de amparo mexicano, como já expliquei nesta mesma coluna [2] — o Habeas Corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública e a ação popular. Essa diversidade de ações constitucionais próprias do modelo difuso é ainda complementada por uma variedade de instrumentos voltados ao exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelo STF, como a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
Talvez o sistema brasileiro não necessitasse de tantas ações para resguardar direitos e proteger a ordem constitucional com a devida eficácia. Em países que também adotam sistemas mistos de controle da constitucionalidade, um conjunto específico (e reduzido) de writs constitucionais e de ações ou recursos para o controle abstrato demonstra ser desnecessária a existência de um instrumento processual distinto para cada direito que se queira garantir, assim como uma ação para cada tipo de pedido e/ou de causa de pedir no âmbito do controle em abstrato. Na maioria dos países latinos, por exemplo, observa-se a exclusividade do juicio e do recurso de amparo (civil ou penal), além de poucas acciones de control de constitucionalidad [3].
No Brasil, pelo menos no que corresponde ao controle abstrato de normas, observa-se que um sistema que possui essa quantidade e diversidade de ações acaba necessitando, para funcionar com alguma eficácia, de padronização de ritos procedimentais e de técnicas de decisão. Prova disso é que, desde a sua inicial conformação normativa, sobretudo na década de 1990 (especialmente as Leis n. 9.868 e 9.882, de 1999), a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) foram tratadas pela doutrina como tendo um caráter dúplice ou ambivalente, que as tornam, praticamente, uma mesma ação "com sinal trocado" [4]. E, posteriormente, o próprio STF acabou tendo que admitir que entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação (ADI) e por omissão (ADO) deve existir a fungibilidade processual [5], a qual também é aplicada na relação entre a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), tendo em vista a relação de subsidiariedade entre essas ações [6].
Assim, se não se pretende, neste momento, elaborar propostas de reforma do texto constitucional para simplificar o rol de ações do controle abstrato da constitucionalidade, a sistematização legislativa dos procedimentos e das técnicas de decisão é atualmente fundamental. É sobre esse aspecto que a Comissão precisa se debruçar com maior cuidado, até mesmo ante a necessidade de atualização dos ritos das ações existentes com a jurisprudência do STF.
A sistematização e a uniformização não significam a descaracterização das especificidades de cada ação, levando-se em conta os distintos tipos de pedidos e de causas de pedir que cada uma comporta. Um esforço de consolidação e de padronização, com a manutenção de alguns ritos próprios, foi plenamente possível quando elaboramos o projeto de lei sobre a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que se transformou, sem nenhuma modificação de nosso texto originário, na Lei nº 12.063, de 22 de outubro de 2009, que incluiu o capítulo II-A na Lei nº 9.868/99. Tive a oportunidade de participar da redação daquele texto e assim posso afirmar que, por exemplo, as redações dos artigos 12-E e 12-H, §2°, tiveram o objetivo de dar a necessária sistematização dos ritos próprios da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) com os ritos e técnicas de decisão da ação direta de inconstitucionalidade (ADI). Essa sistematização está bem explicada em artigo que publiquei nesta ConJur na época do advento daquela lei [7].
No campo das medidas cautelares, a fungibilidade de ritos procedimentais, ou mesmo de técnicas de decisão, é uma necessidade prática inegável. O Supremo Tribunal, por exemplo, há muito já adota, para a medida cautelar em ADPF que determine a suspensão de processos judiciais que envolvam a aplicação da lei impugnada, o prazo de 180 dias para o julgamento definitivo do mérito da ação, previsto para a ADC (artigo 21, parágrafo único, da Lei 9.868/99). O STF também já convencionou aplicar, por analogia, o procedimento do artigo 12 da Lei 9.868/99, que rege a ADI, para a ADPF, a qual se submete ao rito estabelecido na Lei 9.882/99 [8].
Em se tratando de medidas cautelares, ressalte-se que a comissão também terá a oportunidade de propor soluções normativas para o problema atual das medidas liminares decididas de forma monocrática, sobretudo nas ações diretas de inconstitucionalidade. Desde 2012, inclusive em artigos publicados nesta ConJur [9], tenho afirmado contundentemente que essas medidas cautelares monocráticas são em regra ilegais, por violação à Lei 9.868/99 (artigo 10), e inconstitucionais, por afronta ao artigo 97 da Constituição. Em estudos mais recentes, também venho afirmando que, além da patente ilegalidade e da evidente inconstitucionalidade, a prática das decisões cautelares monocráticas no controle abstrato de constitucionalidade configura uma completa transgressão de um dos componentes fundamentais da deliberação de uma corte constitucional: a colegialidade [10].
As hipóteses, sempre excepcionalíssimas, para a concessão monocrática de medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade devem ser bem delimitadas e definidas normativamente. O quadro atual assim o exige e, dessa forma, é preciso regulamentar o uso do poder geral de cautela pelo relator nas ações do controle abstrato. Como afirmei em outras ocasiões, esse é um imperativo que decorre da própria divisão funcional dos poderes. E, nesse contexto, poderia ser proposta a completa revogação ou a substancial alteração da redação do atual §1º do artigo 5º da Lei 9.882/99, o qual vem sendo utilizado, inclusive por analogia, para o deferimento monocrático de liminares nas ações do controle abstrato.
Ainda no contexto dos ritos cautelares, a comissão igualmente poderá enfrentar o que em outro momento denominamos de fenômeno da "ordinarização" do procedimento do artigo 12 da Lei nº 9.868/99, um patente desvirtuamento de sua finalidade primordial [11]. Como é sabido, a teleologia do artigo 12 é permitir ao tribunal o julgamento definitivo de mérito de forma célere. Sua aplicação, portanto, deve estar condicionada ao efetivo cumprimento dessa finalidade exigida pela norma. Porém, na prática, devido a uma série de fatores que analisamos de modo mais profundo em outro trabalho [12], a instrução dos autos de acordo com o artigo 12 comumente leva o mesmo tempo que a tramitação pelo rito ordinário. Cabe então questionar, tendo em vista o quadro permanente de excesso de processos na pauta de julgamentos do Plenário do STF, como poderia ser repensado o rito do artigo 12? Quais soluções normativas poderiam proporcionar ao tribunal a capacidade institucional para um julgamento definitivo célere?
Ante a proposta para se repensar o rito do artigo 12 da Lei nº 9.868/99, o que é necessário neste momento é trabalhar com distintos ritos cautelares alternativos, que possibilitem ao tribunal atuar de modo célere ante os casos urgentes, inclusive com o julgamento definitivo do mérito, um objetivo sempre visado quando se instituiu o rito especial do artigo 12. Nesse aspecto, é atualmente necessária a previsão normativa da possibilidade da conversão do julgamento de medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, o que a própria corte já admitiu para alguns casos [13]. Como a prática tem demonstrado, presentes determinadas circunstâncias, essa conversão do julgamento torna-se inevitável.
Além da atenção com os ritos cautelares, a comissão também terá a oportunidade de trabalhar com a sistematização das diferenciadas técnicas de decisão no controle da constitucionalidade, as quais vem sofrendo diversas adaptações pelo STF na última década. Alguns avanços observados na jurisprudência já foram devidamente incorporados por algumas leis mais recentes, como a Lei do Mandado de Injunção (Lei nº 13.300, de 2016) e a Lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (Lei nº 12.063, de 2009), que proporcionaram importantes aperfeiçoamentos nas técnicas de decisão para o controle da omissão legislativa inconstitucional (total e parcial). As distintas e inovadoras técnicas decisórias precisam agora ser objeto de maior sistematização, em razão do seu potencial para serem aplicadas em todas as ações do controle abstrato.
Um tópico importante, nesse aspecto, diz respeito à necessária distinção normativa entre as técnicas da intepretação conforme a Constituição e da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, cuja nítida diferenciação, que há muito tempo já está assentada na teoria [14] e sugerida na disposição do artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99, até hoje não foi adequadamente absorvida pela jurisprudência do STF. Esse é mais um ponto importante para análise da comissão, a qual poderá avaliar, no campo da distinção teórica entre texto e norma, as possibilidades de tipificação de técnicas diferenciadas de decisões interpretativas aditivas ou substitutivas, amplamente reconhecidas no Direito Comparado [15] e já adotadas pelo próprio STF em alguns casos.
Quanto às ações constitucionais do processo subjetivo, também existem diversas propostas interessantes para o seu aperfeiçoamento, mas que não poderão ser aqui expostas, em razão do limite de espaço desta coluna. De todo modo, não posso deixar de aproveitar esta oportunidade para pontuar um aspecto importante do processo da ação do mandado de injunção, que acabou ficando de fora do texto definitivo da Lei nº 13.300/2016. Apesar de na época termos feito propostas nesse sentido [16], a Lei do Mandado de Injunção não trouxe a previsão de ritos e técnicas de decisão para a concessão de medidas liminares, com base em antiga jurisprudência do STF. Não obstante, a previsão legal da medida liminar no mandado de injunção é algo que, no atual desenvolvimento da jurisprudência do STF e da legislação sobre a omissão inconstitucional (especialmente a Lei 12.063/2009), deve ser objeto de apreciação da comissão.
Enfim, estas são apenas algumas sugestões para a necessária reforma do processo constitucional brasileiro. Espera-se, agora, que a nova presidência da Câmara dos Deputados (biênio 2021/2022) mantenha os trabalhos da comissão de juristas e forneça as condições institucionais para o seu pleno desenvolvimento.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]