Texto produzido por William Meneses, graduando em jornalismo no IDP.
“Tudo depende da capacidade que você tem de pegar o limão mais azedo e fazer uma limonada”, disse Dr. Nathan Katowski. O diálogo compõe uma cena da série This Is Us em que o médico que trabalha com pacientes com HIV/Aids conversa com um pai aflito. Você nem precisa ter assistido para entender o que significa.
Basicamente, trata-se de conseguir enfrentar um grande problema que tem pela frente, encará-lo e superá-lo. É necessário passar por esse processo quando se descobre que é portador do vírus HIV, causador da Aids. Raimundo Nonato Lima é um exemplo de superação nesse caso. O diagnóstico aconteceu no que ele considera ser o auge de sua vida pessoal e profissional.
“Aos 43 anos descobri. Foi um momento muito crítico porque estava no auge da minha carreira, de toda a minha vida. Fiquei muito tempo mal, mas estou super bem agora. Por isso, agradeço muito todos os dias”, relembrou Raimundo, atualmente com 61 anos.
Nonato é psicólogo e sociólogo de formação pela Universidade de Brasília (UnB), terapeuta comunitário e está aposentado. Natural do Maranhão, mudou-se para Brasília em 1980. A efeito de curiosidade, foi justamente nesse período da mudança dele que houve a descoberta e epidemia de Aids no mundo. A doença, na época, era carregada de desconhecimento, paradigmas e muito preconceito. Para superar o impacto do diagnóstico, Raimundo contou com o apoio da família, em especial de sua esposa, de amigos e do médico.
Para a doutora em psicologia Eliane Maria Fleury Seidl, coordenadora do projeto de extensão “Convivência e Ações Integradas de Estudo e Atendimento à Pessoas com HIV e Aids e Familiares”, do Instituto de Psicologia da UnB, esse tipo de apoio que Nonato recebeu é de grande importância. Mas ela destaca que a reação de cada paciente diagnosticado é singular.
“A soropositividade, diferente de outras condições crônicas, tem a questão do não contar, não revelar, então, as pessoas, muitas vezes, optam por adiar esse momento. Isso é muito a questão do estigma, então, quando a pessoa acha que precisa contar, diante da revelação do diagnóstico, a maneira de ajudar sem ser invasivo é justamente respeitar, com muita sensibilidade”, explica.
A psicóloga alerta que muitas vezes a rede de apoio acaba gerando incômodos ao paciente, se for invasiva. “É como se o apoio social duvidasse no quanto a pessoa pode gerir o seu tratamento, de forma autônoma, independente, com autocuidado”, pontuou.
HIV não é sinônimo de Aids
O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) está completando 40 anos desde o seu primeiro diagnóstico. É importante ressaltar que nem todos que têm o HIV (o vírus) possuem Aids (a doença). É exatamente o contrário. Com os avanços da ciência ao longo dos anos, criou-se formas de impedir que o soropositivo alcançasse o estágio da doença, inclusive, tornando o vírus quase imperceptível. Formalmente essa pessoa que porta a baixa carga viral é chamada de indetectável.
São duas formas de tratamento para chegar a esse nível: uma para evitar que o indivíduo seja infectado (PrEP) e outra para tratar o problema (PEP). A prevenção, chamada de Combinada, abre um leque de possibilidades, justamente para que as pessoas se encontrem e se engajem nas condutas, nas estratégias mais convenientes. A PEP, a Profilaxia Pós-Exposição, é para pessoas que foram expostas ao vírus e quem faz intervenção para se proteger em relação à infecção. Já a PrEP, a Profilaxia Pré-Exposição, é para quem quer, antes da relação sexual, já estar protegida para não se infectar. Estratégia usada por quem tem um parceiro com o HIV ou acabou tendo relações sexuais desprotegidas.
Infecção não é ‘simples’⠀⠀
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Por muito tempo, se acreditou que a transmissão ocorresse facilmente, como um simples compartilhamento de talheres, por exemplo.Sabe-se hoje que nem mesmo o beijo é capaz de passar a doença de uma pessoa para outra. As formas como a transmissão acontece são por transfusão sanguínea, compartilhamento de seringas infectadas, objetos perfurantes sem esterização, gravidez, parto, amamentação e relações sexuais, essa última a mais comum.
O HIV é um micro-organismo que promove diminuição das defesas no organismo, agindo de forma cautelosa, o enfraquecendo de forma progressiva, o que tem como consequência uma maior facilidade para adquirir doenças. Portanto, o vírus ‘abre a porta’ para que outros tipos de doenças se instalem. Portanto, a Aids deixa em profunda fragilidade o soropositivo.
Utilizar preservativo durante o ato sexual é uma boa forma de tentar evitar uma transmissão, o que em outros casos pode ser feito através de exames de rotina para saber se tem ou não o vírus ou se simplesmente está num estágio de grande risco de passar para outra pessoa. Nisso se encaixa a PrEP e a PEP. Para gestantes, é importante saber se é soropositivo ou não para que se possa tomar medidas que reduzam a chance de que o bebê também carregue o vírus.
Resultado não é imediato
Supondo que se tenha uma exposição ao vírus, fazer o teste de imediato não revelará um resultado. É o que se chama de ‘janela sorológica’. O tempo entre a exposição e infecção, e o tempo em que o exame se torna positivo é decorrente da capacidade do organismo de montar uma resposta imunológica e produzir anticorpos detectáveis no teste. Atualmente, essa janela pode ser de 22 dias. Há alguns anos, era preciso ao menos 3 meses que o vírus estivesse instalado no corpo para a detecção.
Mesmo com todo o avanço nos exames, ainda existem os ‘falsos negativos’. No estágio atual, a taxa de efetividade dos exames é de 99,8%. Com o tratamento adequado a carga viral pode diminuir a ponto de os vírus sequer aparecem nos exames de controle. Esse é o caso do Raimundo Nonato, por exemplo.
Vida que segue ⠀
Dra. Eliane ressalta que muitos soropositivos, a partir da redução da carga viral, não precisam mudar seus projetos de vida. “Existe a possibilidade de ter filhos sem a transmissão do HIV, o que deixa os aspectos da maternidade e paternidade bem esperançosos, tranquilos. A possibilidade de que os projetos de vida se mantenham e que a pessoa consiga viver bem, com saúde física e mental. Os medicamentos com número bem reduzido de comprimidos, a maioria dos esquemas terapêuticos é um ou dois comprimidos por dia, com redução de efeitos colaterais, então, assim, tem muito avanço”, disse a professora.
O próprio Raimundo conseguiu, com todo o suporte que recebeu, seguir em frente mesmo com o vírus. Particularmente bem resolvido, pode-se dizer que não se distancia quando se fala profissionalmente: “No mercado de trabalho não tive muita dificuldade porque já tinha emprego e tudo isso foi mais tranquilo para superar. Hoje, mesmo aposentado, continuo trabalhando”, revelou o psicólogo. A regularidade de exames de Raimundo, contudo, é um pouco maior que a média. “Tenho acompanhamento médico a cada 6 meses, faço exames, para ver como anda a saúde”.
Nonato e muitos outros brasileiros são beneficiados com os avanços da medicina sobre o HIV e a Aids, o que ainda caminha para encontrar uma cura definitiva. Falando especificamente do Brasil, Eliane Maria lembrou que o sistema brasileiro, historicamente, é copiado por diversos países. “O tratamento universal gratuito, qualquer pessoa vivendo no território brasileiro, sendo, inclusive, estrangeiro, estando aqui, pode ter direito às medicações e o tratamento de graça. O remédio não falta. A gente tem uma boa rede também, sólida, claro que melhor nas capitais ou cidades maiores, mas tem”, analisou a doutora. O DF, por exemplo, tem oito unidades de saúde especializadas no tratamento do HIV.
Redução
Segundo o Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde, em dezembro de 2020, o Brasil registrou uma grande queda no número de infecções por Aids nos últimos anos, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
Link para o gráfico: https://app.flourish.studio/visualisation/7944620/
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