COLUNA ENTRETÊM
Matéria elaborada por Thiago Freitas, universitário da ECOM/IDP
Sejam bem-vindos ao ENQUADRAMENTO, novo quadro da ENTRETÊM, a coluna de Arte e Entretenimento da Comunica. Aqui, nosso principal objetivo é enquadrar artistas do Distrito Federal para além de seus currículos, vamos trazer suas experiências, seus projetos, suas inspirações e seus sonhos. E, para começarmos com chave de ouro, vamos enquadrar Josuel Júnior, ator, produtor cultural, professor, um artista polivalente.
Estamos falando sobre um artista com mais de vinte anos de carreira. Até por isso, é extremamente possível que boa parte dos brasilienses já tenha sido alcançada pelo trabalho do Josuel em algum momento. Então, nosso enquadramento começa na infância de Josuel.
Na conversa entre a ENTRETÊM e o Josuel, fica evidente que ele foi uma criança com a infância baseada na imaginação. E essa não é somente uma percepção nossa, mas também uma afirmação dele próprio. Aos oito anos, Josuel assistia à novela “Tieta”, que era reprisada todas as tardes de segunda a sexta. Para ele, toda a narrativa era inédita, mas para os parentes, nada era novidade. A primeira porta para o espaço artístico abriu-se ali, quando ele percebeu que aquilo era ficção, era entretenimento, era arte, mesmo a morte aflitiva das personagens em um furacão de areia, tudo era poético.
Fizemos a pergunta que todo artista deve ouvir em algum momento da vida: sempre pensou em ser artista? Dessa pergunta para frente, Josuel mostrou-se um artista extremamente pé-no-chão. Não somente pela consciência de si e de seus processos artísticos, mas de entender que as raízes de sua construção artísticas estão no contexto social da Samambaia, cidade natal de Josuel.
No início dos anos 2000, aos quatorze anos, muitas vezes o entretenimento nas periferias eram os movimentos religiosos e, assim, Josuel encontrou a Paixão do Cristo Negro. Funcionava como uma escola de verão, indo de janeiro até às vésperas da Páscoa, e mesmo com o texto cristão, a oficina era realizada com professores da Faculdade Dulcina de Moraes e de cursos técnicos.
A imersão teatral na adolescência fez de Josuel outra pessoa. Nas oficinas da Paixão do Cristo Negro, a vivência com outros corpos, outras pessoas e outras idades fez com que o até o comportamento em casa melhorasse bastante. Além da desinibição e da correção postural, claro.
A aceitação familiar da relação de Josuel com o teatro foi plena, principalmente pela gratuidade do programa. Josuel nos disse que, por mais de uma vez, ouvia em casa: "Você vai faltar esse final de semana sabendo que outros querem participar?" Alguns anos depois, toda a família de Josuel entrou também para a Paixão do Cristo Negro, onde deixa de ser aluno para ser professor, chegando a ser professor de sua mãe de 2004 a 2006. Foi também na Paixão do Cristo Negro que Josuel teve o primeiro contato com o Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Algo muito claro para Josuel e que ele também fez questão de nos falar é como a Paixão do Cristo Negro e as Quadrilhas são a força motriz da cultura de Samambaia, formando diversos artistas que bebem direto dessas fontes.
Por mais que a carreira artística de Josuel nos pareça clara desde a infância, ele nos revelou que após a Paixão de Cristo ainda viveu um limbo profissional. Tentou vestibular para sociologia duas vezes, depois para letras, mas não conseguiu ingressar na Universidade de Brasília.
Até que ele viu no jornal um anúncio para figuração em novela. Aos 17, depois de conhecer muitas pessoas graças à Paixão do Cristo Negro, ele já sabia como eram aquelas seleções: pouca acessibilidade, taxas altíssimas a serem pagas, a necessidade oculta de ter sido aluno de diretores conhecidos. Mesmo assim, ele queria entender aquele processo. Assim, Josuel entrou em contato, fez o teste em Taguatinga mesmo e, com muito custo e ajuda da família, juntou o dinheiro necessário. Ficou de quatro a cinco meses no Rio de Janeiro, onde encontrou diversas oportunidades boas.
Nenhum morador da periferia do DF tinha feito televisão na Rede Globo até então. Logo que chegou, Josuel gravou uma vinheta para a novela “América”, como um dos peões. A gravação aconteceu em uma sexta-feira e a vinheta apareceu no sábado, todos viram Josuel aparecer: familiares, amigos, conhecidos. Quando voltou à Samambaia, ele voltou com muita bagagem e Josuel abraça a oportunidade de produzir um filme.
Foi neste contexto que Josuel encontrou-se em definitivo com sua carreira em uma entrevista para Rede TV!, quando o repórter perguntou: “O que você é?". Além das relações do filme, Josuel não soube responder a princípio. Ele era o produtor do filme, mas profissionalmente, quem era Josuel? Ele voltou para casa e matriculou-se na Faculdade Dulcina de Moraes no dia seguinte.
Josuel, então, entrou na faculdade sendo o aluno com mais bagagem na turma e o maior choque de opiniões veio, justamente, da diferente visão artística que ele tinha. Enquanto outros alunos defendiam a ideia do teatro mais tradicional, bebendo diretamente de fontes teóricas canônicas Grotowski e Stanislavski, Josuel entrou sobre Tieta e outras novelas. Além das dificuldades naturais de um curso superior, o custo era demasiadamente alto para Josuel naquela época. Essa situação mudaria no momento em que o professor Graça Veloso passou um seminário sobre cultura brasileira nos anos 80. Josuel, obviamente, decidiu falar sobre produtos televisivos: como Xuxa, boybands/girlbands da época e, como não poderia faltar, sobre as novelas.
Nesse trabalho, Josuel promoveu até mesmo um Concurso de Paquitas Acadêmicas, onde só participavam alunas do Dulcina e da UnB. As pessoas mais tradicionalistas e experientes viram o trabalho de Josuel como uma afronta e não entendiam a proposta apresentada por ele, já a direção começou a olhá-lo de uma maneira diferente. Para eles, se em um seminário acadêmico, Josuel conseguia fazer aquele barulho todo, ele era alguém que merecia ser acompanhado e visto de perto. Josuel ganhou uma bolsa de estudos e tornou-se aluno produtor do Dulcina. “Eu era um estudante petulante, mas, ao mesmo tempo, eu me colocava” - nos disse Josuel ao terminar de nos narrar as conquistas graças ao seminário.
Os trabalhos de Josuel apresentam uma lista de personalidades com quem ele trabalhou e desenvolveu projetos incríveis, mas das inspirações mais próximas, ele nos destacou logo o trabalho de Zé Regino, ator, palhaço e diretor, com quem fez curso de palhaço por mais de dois anos. O Zé, para o Josuel, representava muita coisa: pai do Pedro, que fazia o Rei do Gado; representava o teatro brasiliense de forma essencial. Josuel também não deixou de citar Verônica Moreno, atriz e amiga pessoal, também sobre Túlio Guimarães, Plínio Mosca e André Amaro, que foram os primeiros a acreditar no trabalho do Josuel e da Fábrica de Teatro.
Apresentando pelo menos uma peça por ano, Josuel fez uma pausa graças à estafa. Ele não tinha amigos senão aqueles diretamente envolvidos com seu trabalho e que, recorrentemente, conversavam apenas sobre teatro A estafa estava somada também às dificuldades dos processos de montagem, pois geralmente ele, morador da periferia, chegava primeiro aos ensaios enquanto atores que moravam no Plano Piloto atrasavam. Essas questões eram muito exaustivas e cansaram Josuel ao ponto de fazê-lo parar um pouco.
Hoje ele fala abertamente sobre essas questões, coloca em cláusulas, na parte contratual, para que além respeito entre as partes, haja também regulamento e trato ético dos atores. Com a experiência adquirida, Josuel hoje consegue optar por trabalhar apenas com uma equipe boa e em quem confie, com os dias estejam claros e com honorários justos para todos.
Sobre as dificuldades ainda encontradas em seu artístico, Josuel nos surpreende mais uma vez com a sua resposta. “Precisamos aproveitar a pandemia e normalizar os espetáculos às 20 horas da noite!” - começaJosuel. Os espetáculos noturnos, que costumeiramente começam às 21 horas, fazem com que a saída da equipe seja sempre muito corrida, pois os profissionais do teatro podem depender de transporte público para voltar para casa. “Eu cansei de ser expulso do teatro” - ele complementa. - “Eu quero poder terminar o espetáculo, tomar um banho e sair com uma roupa digna. Eu cansei de ter que colocar uma roupa grande, que escondesse a sujeira e o suor para comer um cachorro quente na Igrejinha”. Como se esperasse a nossa surpresa para a resposta, e já lendo a expectativa política da resposta, ele disse uma frase que nos impactou muito:
Essa frase foi nos sendo explicada de maneira aberta quando Josuel nos falou mais sobre os trabalhos que mais o impactaram e quais ele gostaria de revisitar depois desse momento de pandemia.
Assim que perguntamos qual foi o trabalho que mais o impactou, a resposta imediata foi “Dia de Visita”, dirigido por Francis Wilker e Nei Cirqueira. Essa foi a primeira vez que ele sentiu que uma peça foi assistida pelo povo de Brasília. Josuel recordou conosco a surpresa boa de quando as pessoas descobriam que ele estava no elenco, pois a caracterização não permitia sua identificação instantânea.
Foi, para ele, um grande desafio de atuação, de estética e de produção. Um trabalho que Josuel revisitou nesses tempos de pandemia foi “Peter Pan para os já crescidos”, dirigido por Luana Proença. Hoje, ele entende melhor a qualidade do espetáculo, e como ele encheria uma sala. Na época, por questões pessoais, Josuel diz que não conseguia compreender de fato a potência do espetáculo e que, inclusive, nos tempos atuais Peter Pan traria uma leveza necessária para o público.
Outros espetáculos não teriam a mesma recepção graças ao embate político em que o país está mergulhado. Muito público foi perdido durante o tempo de 2016 até hoje, nos contou Josuel. Ao mesmo tempo que esse público precisa de chacoalhadas para entender o cenário político, ele também precisa ser conquistado para retornar ao teatro.
Durante a pandemia e como professor, Josuel se viu na necessidade de fazer vídeo-aulas interessantes para seus alunos. “Se eu não rio, não me divirto na direção, eu não publico” - disse Josuel. Também foi um ótimo momento para postar memórias - os famosos ThrowBackThursday (TBT) - falar abertamente sobre outros trabalhos que ele gostaria de falar mais, mas não tinha tempo. Josuel também usou sua voz também para falar como os artistas estavam sofrendo nesses tempos, comprou briga da categoria, indicou matérias, chegando, inclusive, ao Jornal Nacional na TV Globo. “Só relutei com a questão online. Fiz uma live, recusei outras.” - finalizou ele.
Ouvindo a história de Josuel, vimos como ele se tornou um artista versátil e polivalente. Isso nos fez questionar se o fato de Josuel trabalhar com tantas modalidades dentro arte foi necessidade. E não, não foi apenas isso. Josuel foi se envolvendo por uma identificação, por achar que não era tão difícil de fazer. Ele tinha vontade de arriscar, ia lá e aprendia, fazia e, dando certo, continuava, chegando ao Josuel que conhecemos hoje.
Josuel, Quadro a Quadro!
- Uma música? Meia Lua inteira, Caetano Veloso.
- Um filme? Meu primeiro amor.
- Uma série? Justiça.
- Uma novela? Tieta.
- Uma peça de teatro? NoctiLuzes, direção: Sérgio Sartori.
- Um ator? Lima Duarte.
- Uma atriz? Fernanda Montenegro, de Central do Brasil a Zazá.
- Um cantor? Cazuza.
- Uma cantora? Gal Costa.
- Melhor dia da semana? Segunda-feira, o domingo é sempre tão triste.
- Manhã, tarde, noite ou madrugada? Noite.
- Mania favorita? Assistir e voltar os stories, para entender mesmo o que as pessoas estão pensando.
- Um tabu que você quebraria? Nudez Masculina, sacralizam demais a nudez masculina. O nu artístico masculino sempre escondendo as partes, como se fosse um anjo da guarda.
- Aglomeração dos sonhos? Um samba, gente tocando e reencontrando os amigos.
- Um sonho? Saber que tem dinheiro na conta pra pagar.
Please Post Your Comments & Reviews